O anúncio recente sobre a construção de um edifício para a Biblioteca Municipal, cria minimamente um constrangimento entre os cidadãos que ousam refletir sobre a qualidade da gestão pública atual em Piracicaba. Constrangimento porque parece que a administração e sua assessoria de imprensa, além do corpo de secretários, fortemente liderados, tentam nos impingir a idéia de que tudo vai muito bem. E que a imagem construída, de eficiência administrativa, consola toda e qualquer expectativa de qualidade que o contribuinte possa ter.
O projeto do Memorial à República, que comporta uma biblioteca, vencedor de certame nacional, promovido pelo Instituto de Arquitetos do Brasil é descartado, como se já não tivesse havido um percurso para se chegar a ele.
O projeto como instrumento na gestão pública, enriquece o método, modo de proceder à discussão entre o poder constituído e a população, possibilita a hierarquização das prioridades e criação de vínculos e compromissos entre as partes, condição para uma dinâmica saudável da cidade. Destacamos duas conseqüências importantes em se trabalhar com projeto – a qualificação do diálogo e a segurança do resultado da obra.
O governo municipal do período 2001-2004 produziu uma generosa carteira de projetos. É plausível que nem tudo que foi proposto e estruturado tenha condições de concretizar-se em curto prazo, porém, negar a existência desse projeto, resultado da participação de profissionais de todo o país, e propor a execução de outro projeto no mesmo local e com o mesmo programa é um equivoco. Equívoco que neste governo vem se repetindo. Alguns exemplos, de esforços de projeto e obra iniciados na gestão anterior, podem nos conduzir à necessária reflexão:
O Mercado Municipal, com seu projeto de adequação premiado, teve o intercâmbio entre a Associação de Permissionários do Mercado da Cantareira e a Associação local, com representantes da Acipi e do Codepac e poderia chegara bom termo via discussão do projeto, mas teve seu escopo reduzido à reforma das calçadas.
A Estação da Paulista, não há o que negar sobre seu uso, bastante melhorado relativamente à situação de abandono que perdurou por décadas, mas limitado. Não teve contempladas suas premissas de projeto que propunham a área como interligação importante entre a zona sul e área central, com alguns equipamentos de atendimento a essa população. E com o agravante da implantação de dois blocos extremamente mal implantados junto à estação, descaracterizando oconjunto que justificava o tombamento pelo Codepac.
A Praça José Bonifácio, com projeto de intervenção criteriosamente elaborado, conceituação precisa sobre a valorização do edifício da Catedral, definição de piso com critérios de permeabilidade, entre outros, foi apresentado no inicio deste governo com indicativos, na própria apresentação, de que não seria executado tal qual o proposto.
O projeto para o Engenho Central, bastante discutido em várias instâncias para detalhamento do programa, faz a adequação dos edifícios existentes sem a necessidade de demolições. Também, sem aviso prévio, a administração atual apresenta novo projeto, ignorando toda a discussão e adesões já consolidadas sobre o uso para o local.
A segunda etapa implantada do projeto beira-rio, que se louve sua continuidade, não fez uso do projeto para garantir a tão esperada qualidade de obra pública, premissa inerente ao projeto executivo.
O Plano Diretor revisto e atualizado na administração anterior foi retirado da câmara, reapresentado com alterações, entre elas a ampliação do perímetro urbano, privilegiando alguns interesses. Apresentado recentemente de forma extremamente superficial, numa seção denominada de “Audiência Pública”, carece da apresentação das outras leis complementares para ser implementado.
Paulatinamente projetos já discutidos foram abandonados ou reduzidos e estruturas técnicas para possível implementação foram sendo desmontadas. Uma espécie de maquiagem urbana tem sido executada. Uma cidade que se gaba de sua excelência acadêmica para alavancar um desempenho técnico superior deveria olhar com mais rigor para a questão do projeto – plano para a realização de um ato: desígnio, intenção.
Egidio Simoni, arquiteto e urbanista
Renata Leme, arquiteta e urbanista, foi diretora de urbanismo do IPPLAP no período 2003-2004
Escrito em 10.7.2007
Publicado em 14.7.2007 no Jornal de Piracicaba